terça-feira, 27 de agosto de 2013

Algumas coisinhas sobre os médicos cubanos

Os médicos cubanos chegaram ao Brasil e as paixões estão florescendo à pele de todos. Os que são contrários ao governo estão dizendo que os médicos vieram obrigados, praticamente como regime de trabalho escravo e que suas famílias estão reféns em Cuba. Os que apoiam o governo defendem a vinda, dizendo que os médicos brasileiros se recusam a atender a população pobre e querem ficar em grandes centros para ganhar muito dinheiro e ter conforto.

Na minha opinião não podemos ser tão simplistas assim (seja de um lado ou de outro). Vamos tentar colocar alguns pontos na coisa toda.

Existe algo que deve ser claro para todo mundo: a saúde pública no país é péssima. Não estamos falando apenas de falta de médicos, mas sim da falta de estrutura geral. O SUS tem um objetivo fantástico no papel, mas vemos que não funciona sem dinheiro. Não precisamos ir ao interior mais remoto do Brasil para ver a situação precária, basta ir a qualquer hospital público da capital do estado do Rio de Janeiro. Então a vinda de mais médicos não vai resolver este problema, mas pode ser que amenize um pouco.

Muitas pessoas precisam apenas de atendimento médico, ser avaliado e receber orientação. É verdade que isso não vai atender a necessidade de exames laboratoriais ou o fornecimento dos remédios, mas já seria algo importante. Infelizmente muitos nem isso tem. A vinda desses médicos poderia auxiliar pelo menos nesse ponto.

Inclusive muitos médicos se recusam ir ao interior exatamente pela falta de estrutura. O que alguns esquecem é que estes profissionais lidam com vidas, e se não tiverem estrutura para salvar essas vidas, eles vão perde-las em suas mãos. Podem dizer que eu sou burguês, que quero conforto e etc., mas eu, no lugar deles, não iria também. Uma coisa é perder uma ação judicial, ver seu projeto arquitetônico ou de engenharia cair, outra coisa é perder uma vida em suas mãos. Pode ser um risco da profissão médica, mas não acredito que isso se torne algo mecânico a ponto de não se importar mais com a situação.

Portanto, eu entendo os médicos quando dizem que não querem ir atender no interior do país (pelo menos nos locais onde não tem estrutura).

Outra situação, vamos falar dos valores. O governo brasileiro está oferecendo uma fortuna (sob a visão salarial geral do país) para que médicos possam aceitar este trabalho. Sob a visão da imensa maioria da população, esta recusa é absurda. De certa forma eu também acho, mas quando penso na situação acima, devo concordar com a recusa. 

Destaco que não estou dizendo que não há a necessidade de médicos, pois ela existe. Mas apenas médico, sem estrutura, não vai resolver muito.

Agora deixa eu dar uns pitacos sobre os cubanos.

Não me interessa se é cubano, finlandês, russo, americano, egípcio, etíope, chinês, japonês, ou venha de onde vier. Primeiro eles devem ser respeitados como pessoas. Pode odiar a Cuba socialista, mas não pode em momento algum ser preconceituoso por causa de sua cor, beleza ou origem. Tem muita gente perdendo a linha por aí.

Outra situação, pode até ser que eles tenham vindo obrigados como muitos defendem, pode até ser que estejam aqui quase como regime de escravidão, mas isso também não me autoriza discriminar essas pessoas. Pelo contrário, se isso for verdade, temos que ter compaixão com cada um deles, e deixar que as autoridades investiguem e resolvam isso (leia-se Ministério Público do Trabalho - veja este VÍDEO).

Ainda que se trate de uma situação especial (projeto do governo em prol da saúde pública), eu entendo que a contratação deve seguir as normas legais do país, o que significa: estes trabalhadores devem estar registrados com seu contratante (que para mim não é o governo brasileiro - depois explico) e devem ter seus diplomas validados (a não ser que uma lei federal autorize o contrário, mesmo que eu não concorde com isso).

Eu entendo que o contrato do governo brasileiro não é com estes cubanos, mas sim com seu governo. O Brasil fez um acordo internacional com Cuba, e este país encaminhou seus trabalhadores para prestar o serviço. Temos algo semelhante na relação entre o Brasil e o Haiti, em que nossos trabalhadores (do exército) estão lá. Por isso eu não acho errado que o pagamento seja feito para o governo cubano, pois o contrato é com ele. Se o contrato fosse com uma empresa de médicos eslovacos, seria a mesma coisa.

Posso achar injusto o valor que Cuba está pagando aos profissionais, mas isso não quer dizer que está errado. Quer dizer, a não ser que o contrato seja direto entre o governo brasileiro e os médicos, mas isso só teremos certeza ao ver o documento oficial da contratação.

Mesmo assim, ainda que os profissionais sejam contratados pelo governo cubano, ao virem trabalhar no Brasil devem seguir as normas deste país. Portanto, devem ter registro em carteira de trabalho e receber todos os direitos previstos na lei. Podem dizer que é legalismo demais, mas isso se chama proteção constitucional. 

Uma coisa que tenho visto muita gente falar é que entre estes cubanos vieram agentes do governo de Cuba para auxiliar o povo de esquerda a dar um golpe no país. Desculpe, mas seria preciso muito mais do que 4 mil cubanos (isso considerando que todos sejam agentes) para fazer algo assim. O nosso exército pode estar sucateado, mas não creio que deixaria algo assim ocorrer. Acredito que até mesmo a população iria se levantar contra isso. Talvez eu esteja sendo inocente, mas sou muito cético quanto a teorias da conspiração ... muito embora este vídeo a seguir deixa muita coisa a pensar:


Não vou aqui discutir a competência destes profissionais (porque eu não tenho capacidade para isso), e até acredito que eles poderão auxiliar muito os que precisarem, mas todo o contexto está muito conturbado. Vejo que o governo federal conseguiu fazer um besteira imensa, pois:

- neste momento os vilões do país são os médicos brasileiros porque são contra a vinda dos cubanos

- o pagamento de R$ 10.000,00 por médico não será feito para cada profissional, mas sim para o governo cubano que vai ficar com a maior parte do valor

- os médicos serão jogados em locais carentes, para atender pessoas necessitadas, mas não serão "beneficiados" com estrutura pelo menos decente para trabalharem

Sinceramente, todo projeto foi mal elaborado e mal executado, e tem muita gente sendo vítima, mas quem vai sair bem nessa situação será o governo brasileiro, pois tenham a certeza de que muitos estão olhando para a medida como a melhor coisa desde a criação do bolsa-família.

Para mim é uma estratégia eleitoral muito boa, pois não acredito que vá resolver o problema da saúde pública. Seria igual se construíssem vários hospitais mas não não dessem máquinas e nem direito para se manterem. É um remendo, um faz de conta, e tem gente que está caindo nesse discurso e se iludindo.
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Fica autorizada a reprodução integral deste post, desde que citada a fonte conforme texto a seguir:
BRANDALISE, André Luiz de Oliveira, Algumas coisinhas sobre os médicos cubanos, publicado em 27/08/13 no blog “André Brandalise” - http://alobrandalise.blogspot.com.br/2013/08/algumas-coisinhas-sobre-os-medicos.html

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